Hoje receberemos uma escritora especial aqui no blog! Quando tive a ideia de rechear meu mês de outubro com posts mais sombrios a Carla Ceres foi a primeira pessoa que pensei em convidar para participar da minha loucura! Ela é daquelas pessoas autenticas que queremos ter por perto sabe?! Então aproveitem:
A festa da Matriarca
Sete mil
dólares viriam bem a calhar, mas eu não estava a fim de virar capanga de
traficantes, muito menos assassino de aluguel. E que história era aquela de
seres sobrenaturais? Cliquei em “Fale Conosco”.
Os primeiros sete mil dólares chegaram a minha conta
bancária no mesmo dia em que recebi o material de treinamento pelo correio. A
caixa continha um capacete com visor holográfico, que projetava imagens de
inimigos ao meu redor, e um tipo de soco-inglês com lâmina de cutelo, que eu
deveria usar na mão esquerda. Eu podia fazer picadinho daquelas imagens
holográficas, mas só conseguia matá-las quando usava minha arma para traçar uma
letra ômega sobre elas.
Nem precisava encostar em seus corpos. Bastava desenhar
a letra na aura azulada que as envolvia. Essa mistura de videogame com aula de
caligrafia grega me divertia e apurava meus reflexos. No mundo real, porém,
para que serviria? A resposta surgiu na quinta-feira, quando minha namorada
veio me visitar.
“Que treinamento maluco é esse?” ela perguntou.
“É pra te matar virtualmente, à distância”, respondi,
traçando um ômega no ar, em sua direção. Ela deu um grito, colocou as duas mãos
sobre o peito e caiu no chão. Eu dei risada e aplaudi.
“Muito bom! Ganhou o Oscar. Agora volte à vida que eu vou tomar
banho e a gente sai pra comer alguma coisa.”
Vocês já devem ter adivinhado. Sim, ela morreu. Morreu sem
que a lâmina sequer a tocasse. Perplexos, os médicos disseram que foi aneurisma
da aorta ou qualquer coisa assim. Acreditei neles porque me sentiria um idiota
se imaginasse que uma letra feita no ar, com uma arma branca pudesse ferir
alguém. Ainda assim, fui pra casa, coloquei aquela mistura de soco inglês e
cutelo na mão esquerda e fiz o gesto fatal na direção do meu gato. O infeliz
caiu duro. Suas sete vidas expiraram de uma vez.
Não sei quanto tempo fiquei ali, olhando pro gato morto. Foi
o toque do celular que me tirou do torpor. A mensagem dos meus patrões reluzia
na tela: “Parabéns! Você já fez duas vítimas. Evoluiu rapidamente do
assassinato involuntário para o premeditado. Depositamos catorze mil na sua
conta. A festa é amanhã. Cometa suicídio conforme o combinado”.
Na sexta-feira, às sete da noite, obedeci por desespero.
Pisei fundo no acelerador e me arrebentei com o carro contra o paredão do
cemitério velho. Acordei dentro da ambulância que me socorreu. Enquanto
sacolejávamos por uma estrada de terra, uma enfermeira retirava ataduras do meu
pulso. Seu rosto lindo, visto de perfil, me tranquilizou. “Pra onde estamos indo?”
perguntei. “Pra festa”, respondeu ela, sem me encarar. “Mas acabei de sofrer um
acidente”, protestei. “Não minta”, rosnou ela, virando-se de frente para mim.
Foi impossível não gritar.
O outro lado do seu rosto, que eu ainda não vira,
apresentava fraturas terríveis, com ossos despontando para fora da pele. “Você
se matou e matou outros para trabalhar conosco. Eu absorvi seus ferimentos e,
agora, você vai fazer o que foi pago pra fazer, certo?” perguntou a criatura,
com um sorriso medonho.
Alguns convidados
monstruosos haviam chegado à mansão antes de nós. Meu estômago se contorcia só
de olhar para eles. O chefe da segurança, um homem alto de rosto putrefeito, me
levou para conhecer o local enquanto explicava minhas obrigações: “Você vai
ficar aqui, atrás da linha de frente, porque sua aparência é normal.
Os
invasores, se chegarem até este ponto, podem pensar que você é um refém. Assim
você ganha tempo para eliminá-los”, ele me disse. “Por que eles pensariam que
eu sou um refém?” perguntei. “Porque nós vamos te acorrentar à parede, até a
meia-noite, é claro”, respondeu ele.
Preferi não perguntar o que aconteceria
depois da meia-noite. Não era da minha conta. “Venha por aqui e preste
atenção”, continuou, “Se formos invadidos por muitos legionários, você tem que
recuar até o caixão e proteger a matriarca. Entendeu?”
Fiquei horas agrilhoado no meu posto, assistindo à chegada
de incontáveis monstros. Alguns tocavam em mim. Passavam a mão no meu rosto,
corriam os dedos pelo meu pescoço, apalpavam os braços ou o peito, sorriam
maliciosamente e entravam na mansão, trocando olhares entre si. O tumulto
dentro da minha cabeça misturava medo, raiva, arrependimento e uma imensa
confusão. Que lugar era aquele? Onde eu estava? Impossível saber.
As instruções
que me mandaram durante o treinamento diziam que eu deveria simular um suicídio
para ser resgatado pela ambulância dos meus empregadores. Assim, eu jamais
saberia para onde estava indo. “Não seria mais fácil vocês me levarem num carro
comum, com uma venda nos olhos?” sugeri, na época. “Ninguém pediu sua opinião,
rapaz. Faça o que foi pago pra fazer e não se esqueça de usar cinto de
segurança”, foi a resposta.
Acontece que, depois de matar minha namorada e meu gato, eu
fiz questão de não usar cinto nenhum. Estava me sentindo culpado. Queria mesmo
acabar com tudo. Pena que a ambulância me salvou pra me deixar naquele inferno!
A música soturna da festa mal abafava os ruídos de luta no bosque. Nosso
pessoal na linha de frente morria feito moscas, mas já eliminara dezenas de
invasores.
De repente, dois deles saíram correndo do bosque, furaram o bloqueio
e vieram na minha direção. À distância, eram apenas vultos azuis cintilantes,
como os que eu eliminava durante os treinos. Ataquei sem pensar, por puro
reflexo. Outros dois vieram. E outros. E muitos mais. Meu braço direito, preso
à parede, lhes dava confiança para chegar perto, mas o esquerdo, que eu
mantinha atrás das costas, traiçoeiramente, os matava.
Quando um enxame de invasores cobriu de azul cintilante as
árvores do bosque, decidi recuar. As correntes cederam ao primeiro golpe que
lhes dei. Se eu soubesse que era tão fácil parti-las, teria fugido enquanto era
tempo. Os corredores da mansão estavam cheios de fumaça malcheirosa. No salão
principal, encontrei o caixão da matriarca. Os convidados fizeram sinais para
que eu me aproximasse dele. “Não preciso chegar mais perto”, respondi nauseado,
“posso cumprir meu dever daqui mesmo.”
Um grupo de convidados me desarmou e arrastou até o caixão.
“Beije a matriarca!” ordenaram. A velha parecia morta, mas abriu os olhos e
estendeu a mão para receber o beijo. Fui me inclinando lentamente. Ansiosa, a
bruxa deu um salto, me agarrou, rasgou minhas roupas e me atirou dentro do
caixão. Os monstros ao redor começaram a cantar a Marcha Nupcial dos Infernos
enquanto aquela criatura nojenta abusava de mim sexualmente e eu gostava.
Hoje faz uma semana que tive alta da clínica depois do
acidente. Continuo sonhando com a minha namorada. Ela aparece segurando meu
gato no colo e me diz que estou grávido. Será?
Carla Ceres
Nossos agradecimentos especiais ao desenhista Eduardo Schloesser, que nos ajudou criando essa senhora ilustração pro conto - Somos exclusivos gente! Pensamos que ele fosse fazer algo simples e rápido. Que nada! Ele caprichou pra valer. O mestre Schloesser é ilustrador profissional, autor premiado de HQs, escreveu vários livros sobre desenho e mantém o blog “A Arte de Eduardo Schloesser”. Muito obrigada!
O conto é matador (sem trocadilhos), tão bom que sei que o desenho não fez justiça, e não é falsa modéstia, é a realidade.
ResponderExcluirBeijão Carla, beijão Camila.
Obrigada, Schloesser! Sem dúvida, o conto fica muito melhor com a ilustração. Beijos!
ExcluirNossa e como essa figura deu o toque final no conto! Aliás eu não poderia ter parceiros mais excelentes do que vocês dois! Beijos!
ExcluirEduardo, serei tua seguidora agora... Você ganhou mais uma fã! hahahaha
Eu ia perguntar onde vocês acharam tal ilustração tão perfeita e que se encaixa tão bem na história hahahaha
ResponderExcluirAdorei o conto! Me prendeu até fim! Parabéns a Camila e aos colaboradores!
beijos :*
Obrigada, Dani! Legal que você gostou. Beijos!
ExcluirObrigada, Camila, por acolher meu conto sob as asas de seus morceguinhos. :) Beijos!
ResponderExcluirTô transbordando de felicidade por ter voc~e por aqui! Deveríamos repetir isso mais vezes!
ExcluirBeijo grande parceira!
Olá Camila, e que tudo esteja bem!
ResponderExcluirAntes de tudo, peço e desejo que perdoe esta minha invasão, ao teu assustadoramente divertido espaço, mas, sabe como é ser leitor fã da Carla, eu não podia ficar sem ler mais este belíssimo conto desta bela e intensa escritora!
E pra simplificar meu singelo rastro deixado cá digo que por mais esta vez a prezada Carla foi perfeita, na criação deste conto, sempre com a sua marca, prende o leitor com intensa avidez por ir até o fim das narrativas nos escritos de sua criação, parabéns a Carla, parabéns a você pela escolha do escrito para cá compartilhar, também ao ilustrador criador da bela ilustração que é sim cumplice do texto, obrigado!
E grato pela amizade compartilhada deixo cá meu desejo para que tenha sempre em teu viver a felicidade intensa, um grande abraço e, espero que também um, até mais!
Muito obrigada, Sotnas! Abraço!
ExcluirAdorei receber você por aqui viu! Espero que volte mais vezes!
ExcluirBeijos!
Prêmio Nobel pra você, Carla, que imaginação! Estou arrepiada de medo e essa noite vou dormir com a lâmpada acesa, O desenho está ótimo. Beijos!
ResponderExcluirkkkkk Obrigada, Shirley! Beijos!
ExcluirO.O Adorei Carla, como sempre!
ResponderExcluirCertamente ele está grávido, e tendo em vista quem o embuchou, o filhote será um Benjamin Button com cabeça de gato e corpo de mulher e cauda de corrente =D
kkkkk Adorei o filhote que você criou, Joe. Em especial, a cauda de corrente. :) Abraço!
Excluirhehehe imagine o auê? [...] Eu não queria magoar você... hehehe
ExcluirPelamordedeus!!! Esse superou TODOS!!! Lembro que nosso primeiro contato foi com um conto "cemiterial", mas esse... PQP (sorry!!!)
ResponderExcluirAinda bem que eu já tomei café...
Haja criatividade! Esse valeria um roteiro de filme, com certeza. E Jhonny Depp no papel principal.
Beijooo
Puxa, que bom que você gostou, Bel! E ainda se lembra do conto cemiterial. Fiquei feliz da vida agora. Beijos!
ExcluirCarla, a sensação que me deu ao ler o seu conto foi ser personagem dessa história, senti-me grávido com a sua escrita. Bjos.
ResponderExcluirHAHAHAHAHAHAHA já pensou?!
ExcluirMorri de rir agora!
Obrigada, Eder! Isso daria outra história de terror: O Conto que Engravida! :) Beijos!
ExcluirKkkkkkkkkkkk, esse seria de terror e dor, pois um homem grávido é assustador, partindo do princípio que a gravidez na mulher é encantadora.
ExcluirDe fato, não faz muito sentido colocar o cinto de segurança depois do protagonista passar por tudo aquilo. rsrs Aliás, o protagonista dará a luz a um bruxinho que será chamado de Harry Potter e... ops, acho que não. :)
ResponderExcluirMuito bom o conto, gostei - a ilustração também é perfeita! Parabéns!
Beijos e abraços!
Obrigada, Jaime! Agora imagine se ele estiver esperando gêmeos. :) Abraço!
ExcluirOI CAMILA!
ResponderExcluirMUITO LEGAL O CONTO E A ILUSTRAÇÃO, PARABÉNS A TODOS.
ABRÇS
http://zilanicelia.blogspot.com.br/
Obrigada, Zilani! Beijos!
ExcluirEnroscada estou com o sete em profusão... com os mistérios sepulcrais... e gravidez meio indesejável... além de um gato... Descobri a razão da minha insônia no final de semana! Fui ler Carla, a macabra... em preparativos para helloween... Rebatendo três vezes em madeira!!!
ResponderExcluir[ ] Célia.
HAHAHAHAHAHAHA adorei esse comentário! Perfeito! hahahaha
ExcluirCarla, a macabra! HAHAHAHAHAHA
kkkkkkkk Carla, a sinistra, macabramente agradece, Célia. Também adorei o comentário. Beijos!
ExcluirMais uma excelente história dessa escritora que tem uma imaginação de outro mundo. Quando eu estava no meio da leitura, a tela que me prendia ao apavorante enredo... Puf! Sumiu. "Fui atingida", pensei. Não, tinha sido só mais uma peça da tecnologia. Voltei ávida ao trecho interrompido. Se o bebê monstro nascer no dia 31, a Carla há de contar pra gente como ele é. Ai! Eu volto aqui pra conferir.
ResponderExcluirParabéns, Carla!
Parabéns, Camila!
Vocês são ótimas!
Valeu, Regina! Tem gente apostando em bebês gêmeos, que vão nascer amarrados pelos rabos de corrente. :) Beijos!
ResponderExcluirCarla, minha querida
ResponderExcluirTenho que confessar o meu pecado - é a primeira vez que visito este blog!
Estive a dar uma olhada (forçosamente rápida) aos post anteriores, e achei-os muito interessantes.
Quanto ao seu conto... até me sinto mal ao dizer isto (mais uma vez...) mas que posso fazer, se é o que penso e sinto??? Você, Carla, além de escrever muitíssimo bem (num português absolutamente correcto - confesso que sou uma purista da língua portuguesa...), tem uma imaginação fértil como poucas. Já o constatei inúmeras vezes.
Só me resta dizer: Parabéns!
Às duas - a si pelo conto e à Camila (que eu não conhecia) pela escolha que fez.
Beijinhos a ambas.
Mariazita
(Link para o meu blog principal)
Vivaaa!!! A Mariazita veio me visitar! :) Muito obrigada, querida! Você escreve lindamente. Sou sua fã. Um elogio seu me deixa feliz da vida. Beijos!
ExcluirPeço perdão por não ter feito referência à imagem que ilustra o conto.
ResponderExcluirEstá excelente! Está de parabéns o autor, que irei visitar de seguiga.
+ 1 beijito
Mariazita
(Link para o meu blog principal)
O Schloesser é incrível mesmo. Altamente visitável. + beijos!
ExcluirOlá, Camila. Venho do blog da Carla e gostei muito do conto....dá arrepios!! A ilustração perfeita. Parabéns! Desculpe a invasão. gostei do seu blog! Bjos.
ResponderExcluirObrigada pela força, Cidinha! Beijos!
ExcluirConto muito criativo e imaginativo! Prende a atenção até a última linha. Parabéns! Li na data certa, Halloween.
ResponderExcluirQue bom receber esse elogio bem no dia de Halloween! Muito obrigada! Beijos!
Excluir