O segurança do orfanato

Nossa gente, eu nem sei mais como agradecer s pessoas que aceitaram participar dessa loucura minha que é esse mês especial para o Halloween! Hoje trago uma amiga que me conquistou desde o primeiro texto e o mais legal é que ela não gosta muito de terror ou suspense e mesmo assim desenvolveu um conto muito bacana pra gente.  Eu estou falando da Rovênia do Blog Da ti lo grafe que escreve com uma doçura incrível até quando o tema é mais “negro”. Sou fã dela e me apaixonei por esse texto! Aproveitem!  


O segurança do orfanato

A mais pura verdade é que Aninha e Afonso não têm os mesmos gostos.  Ela é romântica, daquelas bobonas que adoram flores perfumadas e de plásticos e as outras, miúdas,  estampadas nas louças de porcelana. Quando a vida deixa, ela rodopia no ar, dá bom dia aos passarinhos que vê ou inventa,  e sai com vestido florido e hortênsias azuis nos cabelos. 

Afonso é bronco como tutu mineiro. Ele gosta é de calça jeans rasgada, tatuagem de dragão, velocidade, uns palavrões com cerveja gelada e futebol, além, é claro, de filmes de matança, sangue espirrando e zumbis fresquinhos  saídos do túmulo de Michael Jackson.

A sorte que une os dois é o amor cego, que não faz questão de enxergar as diferenças. Mas juntá-los para uma sessão de filme com pipoca é crueldade. Já tentei e se arrependimento matasse... Ela reclama da reclamação dele e vice-versa. Uma chatice vê-los no esforço de agradar um ao outro, mas a tortura vence-os sempre.

Ela não entende por que ele não enxerga as sutilezas e sai da sala ao ouvir o barulho da serra elétrica do clássico dos clássicos do terror. Nem a música de Ritchcock, nem os vultos que o menininho do sétimo sentido vê assustam-na tanto. É que ela embala as notas musicais num enredo imaginário e doce.  Mas serra elétrica,  Aninha explica, não tem nota musical. É só ruído, nada de bom se extrai.

Então veio o fatídico dia. Ele economizou dinheiro, comprou ingressos e as passagens. Precisava porque precisava de se divertir na noite de terror no parque temático da Universal.  Como dizer um não?
- Será que é legal? – arriscou-se, inocentemente.
- Claro! É a grande festa dos americanos. Eles se divertem como nós,  aqui,  no carnaval!

Aninha então fantasiou um novo enredo,  uma grande brincadeira do mais apurado mau gosto e prometeu não achar graça e nem se assustar. Só era preciso fingir bem, dar uns pulos, uns gritos bem finos e tudo ficaria bem.

- Se é assim, deve ser muito, muito legal! – conformou-se. 

Extasiado como criança que acaba de ganhar doce, Afonso seria incapaz de lembrar que Aninha e carnaval eram palavras antônimas.  Bobamente feliz,   Afonso beijou-a e ergueu-a no ar,  agradecido como os mocinhos  nos filmes românticos.   Ela, no entanto, imprimiu uma condição: ele não a empurraria, em hipótese alguma, em direção às serras elétricas.

A noite do terror aproximou-se rapidamente. E lá foram os dois de mãos dadas. Ele, eufórico. Ela fingindo.  O mundo do terror dilatou as pupilas de Aninha. Era muita cor, muita salada de risos com bobagens. O ambulante vendia saquinhos de sangue para serem chupados com canudinho. O boneco assassino Chucky, o palhaço com a boca grampeada, a mulher de face morta com a faca cravada na cabeça. Nada assustava, mas todos fingiam medo e tudo isso deixou Aninha tranquila. Enfim, não era uma exclusividade  mentir ali.

A única verdade era a moça deitada num esquife de vidro como o da Branca de Neve. Ela respirava como num doce sonho, enquanto muitas baratas e minhocas e outros bichos passeavam pelo seu corpo. “Meu Deus”,  admirou-se Aninha, “ o que não se faz por dinheiro!”

Dois lugares prometiam ser os mais assustadores e Afonso fazia questão de ir. O labirinto dos zumbis e o orfanato.  No entanto, para chegar até lá seria preciso passar diante do  beco com nevoeiro artificial.  A muitos metros de lá, Aninha já ouvia o ronco das serras elétricas.  Gelou, as pernas endureceram e ela não conseguia avançar.
-  São de mentira! Só há barulho!  – apiedou-se Afonso.  Não houve jeito, e ele teve de carregá-la, dura como múmia.


O labirinto dos zumbis foi uma grande bobagem. Filas enormes para nada de sustos de verdade. Ela bem que começou a querer um susto real, mas tudo que via era um esforço para se amedrontar  e isso passou a ser engraçado. A vontade  de Aninha era de rir alto, bem alto.  Por fim, chegaram ao orfanato.
- Aqui você terá um medo de verdade! – prometeu, Afonso.

Aninha então animou-se. Não era possível que sairia da tal noite aterrorizante do famoso Halloween americano sem um sustinho sequer. Arregalou os olhos para ver melhor no escuro, mas eram  todos anões vestidos de órfãos, com máscaras nos rostos, saindo de buracos e paredes móveis. Tudo previsível.  

Então ela resolveu inverter a brincadeira e conseguiu rir muito, muito, ao pregar um susto danado num pobre órfão. Acostumado a assustar, ele não esperava assustar-se.  Aninha não parava de rir e os outros turistas que seguiam em fila atrás até se chatearam.

Mas foi de repente, num dos corredores escuros do orfanato que Aninha ficou fria como pedra de túmulo. Diante dela, ela via um senhor branco, muito branco. Era de uma beleza indescritível. Alto, magro, lábios coloridos de carmim, um olhar sedutor e irresistível.

Ele abriu a capa preta, aveludada, abraçou-a, sumiu-a numa imensidão quente em que o redor não importava. Beijou-a, tomou-a, matando passado e futuro. A eternidade era tudo que tinha, estacionada, infindável. 

Perdida, extasiada, ela sentiu o vestido balançar como princípio de brisa,  como frescor de luz. Um Ínfimo que incomodava longe, mas o bastante para o despertar:
- O que te assustou tanto ao ponto de transformá-la nesta estátua? Faz um minuto que está aí parada, com medo do nada!

Aninha olhou à sua volta e enxergou as paredes escuras do orfanato, ouviu os risos e os sustos. Diante dela,  um homem branco, alto e magro. Não sorria e olhava-a fixamente. 
- Vamos, Aninha. É só um segurança.  Não está aqui para assustar ninguém.

Atônita, ela precisou arrastar os passos. Passou o dedo indicador da mão direita pelos lábios. Ainda sangravam carmim. 


22 comentários

  1. Passando para deixar um bom dia. Deixei um link para o seu blog hoje!
    Um beijo docemente assombrado! :)

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    1. Eu estou amando ver seus leitores aqui! Obrigada pelo conto impecável!

      Beijos

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  2. Ui que medooooo.
    Vou seguir o blog.

    bjokas =)
    meusegredosbell.blogspot.com

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  3. Uau! Rovênia aceitou e arrasou!1 Adorei e mandou muito bem nesse tipo de escrita também ,como sempre o faz! beijos às duas,chica

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    1. Agora constatei que ela escreve bem em qualquer estilo hahahaha

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  4. Mandou bem, Rovênia! Vivi algo parecido (embora menos romântico e mais constrangedor). Esses brinquedos costumam ser tranquilos enquanto tudo está dentro dos conformes, mas, se acaba a energia do parque... Pois foi isso que aconteceu. Ficamos eu, minha mãe e meu irmão, numa escuridão total, com 27 outras pessoas se acotovelando num labirinto. Começaram os ataques de claustrofobia, os gritos sinceros, o empurra-empurra, os tombos. Alguém caiu no chão bem na minha frente. Levantei a pessoa e, depois, segurei a mão do meu irmão pra gente não se perder. O parque mandou um funcionário, com uma lanterninha fraca, pra nos resgatar. O sujeito ia nos orientando até a saída e eu, com toda a força, arrastava meu irmão que teimava em querer se soltar. Quando chegamos à luz, percebi que o "meu irmão" era um cara desconhecido, cuja esposa me olhava indignada. Foi um terror. Obrigada por me lembrar desse vexame! :) Beijos!

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    1. HAHAHAHAHAHAHA rolando de rir aqui Carla! Isso merecia outro conto!

      Gente eu adoro esses comentários! São minha alegria diária e o seu é um dos comentários que eu mais espero nas postagens hahahahaha

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  5. Muito legal, Camila! Quis ler mais! hehehhehe

    Bjs


    www.digoporai.com

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  6. Olá! Um texto com algumas pontadas de terror: interessante, adoro! abraços

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  7. Hum!
    Gostei da parceria.
    Eu não gosto de histórias de terror, mas gosto das cores vinho e laranja, doces e travessuras do Halloween :)

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    1. Isso é excelente. Vc tira proveito do melhor da festa pra vc!

      Beijão!

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  8. Sensacional ,gostei muito Camila beijinhos

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  9. Sou fã da Rovênia . Nunca li algo que não tenha me agradado e aqui
    não foi diferente. ela arrasou!

    Obrigada!

    Margoh

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  10. Adorei o conto também. A Rovenia escreve muito bem!

    Camila sempre selecionado os melhores! :)

    beijinhos
    http://psicosedanina.blogspot.com.br

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  11. Camila, muito boa a sua escolha. A amiga Rovênia de fato é muito talentosa. Eu que não gosto de "terror" gostei da historinha dela.
    Parabéns, Rovênia!
    Um abração,
    Manoel

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  12. Eu seria a Aninha, certamente, querendo ver um filme romântico e o cabra só querendo ver peixeirada... Rsrs.

    Que final, heim?
    Tô com medo de ter um cabra desse escondido por aqui. Medo?

    Beijo, Camilinha.
    Parabéns à moça inventadora de história.

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  13. oi Camis,

    gente boa atrai gente boa,
    a Rovenia por aqui é a maior prova disso,
    muito bom de ler,
    você sempre escolhe bem Camis,
    e eu ri muito com a Carlinha,e tenho uma no escuro do elevador também...

    beijinhos

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  14. A qualidade da escrita da Rovênia cabe em qq estilo. Bjos.

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  15. Muito bom o conto da Rovênia. A Aninha agora vai viver para sempre seu apaixonante terror.
    Camila, essas sessões halloween do seu blog estão sensacioais!
    Beijo!

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