Esses dias, passeando pela internet, eu encontrei um texto muito bacana que tem a cara do nosso especial de Halloween, então resolvi trazer para vocês.
O texto foi originalmente portado no Blog da Companhia das Letras pelo escritor Raphael Montes que estreou como Romancista, com a Obra: Suicidas (Ed. Saraiva) e pela Cia das Letras publicou o Romance: Dias Perfeitos.
O mais legal é que ele escreveu esse conto aos 12 anos! O.O
Apenas deu uma “ajeitadinha” nas pontuações e tal e aqui está ele:
O texto foi originalmente portado no Blog da Companhia das Letras pelo escritor Raphael Montes que estreou como Romancista, com a Obra: Suicidas (Ed. Saraiva) e pela Cia das Letras publicou o Romance: Dias Perfeitos.
O mais legal é que ele escreveu esse conto aos 12 anos! O.O
Apenas deu uma “ajeitadinha” nas pontuações e tal e aqui está ele:
A professora
Ela já havia tentado o suicídio antes. Cinco vezes. Mas acabava desistindo. O revólver Magnum 608, oito tiros, devolvido à gaveta do esquecimento. Às vezes, ela sentia necessidade de pegá-lo novamente, de testar seu peso, o tato frio com o metal. Em momentos íntimos, levava o revólver à cabeça, o cano massageava a têmpora, sabendo que bastava puxar o gatilho para dar fim àquilo tudo.
Então, ela pensava em seus alunos. Ah, seus alunos! Como ela os amava! Eram a única coisa que realmente tinha de valioso: suas mentes infantis, abertas ao saber oferecido em cada lição. Deus!, era tão fácil encenar para eles! Sobre o tablado, mascarar sua vida deprimente com sorrisos de simpatia e uma felicidade sublimável. Eles a adoravam, a professora sabia. De certa forma, era isso que a mantinha viva, sem coragem de acionar o revólver no momento decisivo. Eles a chamavam de volta. Chamavam-na para a vida, para a aula no dia seguinte… E, nesses segundos, ela se sentia muito feliz e amada. Eles — seus alunos — não a julgavam. Ao contrário dos adultos com quem convivia, eles não a encaravam com desdém, um olhar reprovador, ou, pior, um olhar de piedade só porque ela era gorda.
Sim, ela era gorda! E Deus sabe como era difícil admitir isso… Tantas horas na academia, tantas dietas, tantos livros de autoajuda… Para quê? Ela continuava a suportar os comentários furtivos, as perguntas ofensivas — Onde está aquele seu namorado da última festa, querida? — e o jogo de aparências. Tinha certeza de que era o assunto principal nas rodas quando não estava presente; motivo de risinhos escondidos. Podia imaginá-los gargalhando dela, rindo a valer de cada parte de seu corpo; podia imaginá-los à mesa do café da manhã, comentando a noite anterior, comentando que ela engordara ainda mais e que, desse jeito, nunca conseguiria um marido e estaria fadada à solidão. Criariam alcunhas, comparações e apelidos… Tudo para se divertir na próxima vez em que a vissem.
Por isso, ela precisava da arma. Precisava tê-la ali, ao alcance das mãos. Quando a comprara, três anos antes, estava com medo de assaltos a residências do bairro. Era uma forma de se defender dos bandidos, caso invadissem sua casa. Agora, a arma tinha outra função. Servia para defendê-la do mundo, o mundo nocivo lá fora, o mundo que a desprezava por ser gorda, por não ter atrativos físicos, por não ser bonita. A arma era a fuga para quando ela se sentia sufocada. Bastava puxar o gatilho. Deixar para trás os amigos fofoqueiros, a preocupação com o corpo, a busca por um amor que nunca viria… Tão simples, tão fácil!
Naquela manhã, ela acordou com vontade de comer pão doce. E se condenou por isso. Ah, ela adorava pão doce! Mas não podia, não podia mesmo! Ficaria mais gorda, mais feia, mais, mais e mais. Para saciar-se, correu até a gaveta — sua gaveta mágica. Pegou a arma num resfolegar e se acalmou ao senti-la em suas mãos. Carregou o revólver com uma única bala e levou-o à cabeça, esperando a sensação passar. A adrenalina percorria suas veias, expelida pelos poros.
A professora esperou vinte minutos, mas a sensação não passou. Diferente das outras vezes, continuou lá, insistindo para que ela completasse o serviço. Em alguns momentos, ela chegou a pressionar levemente o gatilho; uma força um pouco maior explodiria sua cabeça. Mas o que viria depois? Teria um mundo melhor para viver? Nesse mundo, as pessoas não ligariam para o peso umas das outras? Lá, ela encontraria alguém que a amasse como seus alunos?
Seus alunos!
Viu no relógio da cozinha que estava atrasada. Dali a vinte minutos deveria estar na sala de aula, aplicando a prova bimestral para as crianças. Pensou em correr, vestir uma roupa qualquer, buscar o carro na garagem para chegar o mais rápido possível à escola, mas não se moveu. A sensação ainda era muito forte. Estava paralisada, a arma em punho.
Teve uma ideia; um flash que invadiu sua mente trazendo a solução exata. Como não tinha pensado nisso antes!? Era tão óbvio: levar seus alunos com ela! Matar alguns deles e depois cometer suicídio. A garantia de que continuaria a ser amada por eles onde quer que fossem depois da morte. Era perfeito! O revólver suportava oito balas. Uma para ela. O restante para sete alunos que ela escolheria na hora; alunos que adorariam morrer com ela porque a amavam!
Extasiada, a professora carregou o tambor com oito balas e se arrepiou ao ouvir o clique metálico da arma. Guardou-a na pasta, junto do envelope com as provas. Saiu de casa assoviando uma canção que inventou na hora.
“Desculpem o atraso, crianças. Tive alguns problemas antes de sair de casa.”
Entrou na sala, ofegante. O relógio acima do quadro-negro registrava os dez minutos de atraso.
“Vamos sentar! Vou começar a prova! Guardem os estojos, apenas lápis e caneta em cima da mesa!”
Todos obedeceram. Eram tão bonzinhos! Seria muito difícil escolher apenas sete. Distribuiu as provas e observou-os, com um sorriso. Tão dedicados e inteligentes! Nenhum deles viu quando a professora tirou a arma da bolsa. Não viram quando ela mirou o revólver em direção a suas cabecinhas, passando um por um.
Artur, Clara, Lucas, Bruno, Carol, Mário, Vera…
Todos tão queridos! Tão especiais!
Caminhou pela sala, o revólver escondido nas costas.
Parou ao lado de Caio. Os cabelos loiros caindo sobre a testa, os argutos olhinhos azuis que acompanhavam as explicações dela no quadro. Ele era adorável. Sem dúvida, seria um dos sete…
E Joana? Os cabelos ruivinhos encobrindo a prova sobre a carteira. A Joana a amava! Gostava dela como uma mãe… Trazia presentinhos e chocolates quase todo mês! Era hora de retribuir tanto carinho. Ah sim, ela também estava escolhida!
Anabela levantou o braço e a professora se aproximou. Pobre Anabela, bela apenas no nome. A menina tinha uma personalidade forte para seus onze anos, era comunicativa e talentosamente persuasiva. Daria uma ótima advogada. Ou, talvez, uma ótima professora. Assim como ela: uma mulher inteligente, profissional; mas feia. Feia e gorda. Acabaria exatamente como ela… Cometendo suicídio, percebendo que acabar com a própria vida é a melhor solução nesse mundo de pessoas magras.
Decidiu que também levaria Anabela. Não porque gostasse especialmente dela — preferia os alunos magros e bonitos —, mas para fazer um favor à menina. Poupá-la dos anos de tortura e recusa, poupá-la dos risinhos sacanas a suas costas, poupá-la da dor…
Encostou-se na parede do final da sala. Faltava pouco. Estudou as cabecinhas pensantes, inocentes, dedicadas a tirar uma nota dez para alegrar a mãe no fim do mês.
Escolheu os outros quatro sem muita dificuldade.
Sete alunos. Quatro meninos e três meninas.
Caio, Victor, Rafael, Pedro, Joana, Clara e Anabela.
Sete amigos que partiriam com ela.
Os tiros causariam grande alvoroço no colégio. Sem dúvida, poderiam ouvir os estampidos a quilômetros de distância. A polícia chegaria logo. Ela teria que agir depressa. Respirando fundo, mirou na cabeça de Anabela. Sem chances de erro.
Sentiu a alavanca do gatilho brincar com seu indicador, provocativa. Fechou os olhos ao puxar o gatilho, deixando que os gritos infantis lhe dessem respostas. Ouviu passos, o ranger das carteiras, correria… Eles estavam fugindo! Malditos! Estavam fugindo! Como podiam fazer isso com ela?!
Deu outro tiro ao léu.
Abriu os olhos e viu diante dela a menina Anabela, morta. A cabeça empapava de sangue a prova sobre a carteira. O corpo rechonchudo era um monte de carne fria e flácida. A sala estava vazia. Os outros a tinham abandonado. Traidores! Medrosos! Haviam optado por continuar nesse mundo de dietas. Apenas Anabela estava ao seu lado. Apenas Anabela não a havia traído. Tinha ficado ali, morta, sua imagem e semelhança quando criança. Gorducha e inteligente.
Eram como mãe e filha…
Teve vontade de chorar. Mas não havia tempo. Não lhe restava mais nem um segundo. Logo a polícia chegaria.
Caminhou pesadamente em direção ao tablado, seus quarenta e nove quilos dificultando cada passo. Ela era gorda. Sabia disso. E ninguém haveria de lhe dizer o contrário. O espelho não a deixava mentir. Bastava comparar com as mulheres esguias nas revistas, com as modelos na televisão… Era gorda. Deveria seguir seu destino junto de Anabela. Calar os comentários, as críticas e as piadinhas que faziam dela…
Lançou um último olhar a Anabela. Gorda e feia.
Então, puxou o gatilho.
* * *
Não é bacana?! Vem conhecer AQUI o livro do Raphael Montes,
já está na minha lista de Desejados!
Magrela maluca e assassina. Só faltava ser professora de matemática. ;) Beijos, Camila!
ResponderExcluirNossa, bem tétrico Camila, bem propício para este mês das bruxas... beijosss!!!
ResponderExcluirO tipo de leitura que a gente começa e não tem vontade de parar! Gostei muito!
ResponderExcluirBjs
www.digoporai.com
Nhááááá.... sabe o que eu quero mesmo? um conto da Camila B. Monteiro /tuctuc
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