ARBEIT MACHT FREI — o trabalho liberta. |
Escrito em 1947, o livro "É isto um homem?" foi rejeitado por diversas editoras na Itália e só veio a ser publicado em 1958 por uma editora bem pequena (e corajosa). Aqui no Brasil demorou ainda um bom tempo para aparecer, mas não é de se estranhar todas essas recusas, a história narrada nessas páginas é forte e destroça a alma. Causa espanto até para quem já leu diversos relatos como esse e deixa evidente que o homem (que possui o mal dentro de si) pode atingir níveis astronômicos de maldade, quando lhe dão poder.
Sinopse: Clássico sobre o Holocausto, É isto um homem? é um libelo contra a morte moral do indivíduo. Contra o homem que se deixou desumanizar. No livro, o escritor e químico italiano Primo Levi relembra seu sofrimento num campo de extermínio, sem, contudo,invocar qualquer resquício de auto piedade ou vingança. Deportado para Auschwitz em 1944, entre outros 650 judeus italianos, Levi foi um dos poucos que sobreviveram, retornando à Itália em 1945. A precisão da linguagem, a vivência e firmeza do autor fazem desta obra uma leitura da qual é impossível se escapar ileso.
Esse é um livro de memórias de um sobrevivente italiano e judeu do holocausto que esteve na temida Auschwitz já no fim da Segunda Guerra Mundial.
É isto um homem?
Vocês que vivem seguros
em suas cálidas casas,
vocês que, voltando à noite,
encontram comida quente e rostos amigos,
pensem bem se isto é um homem
que trabalha no meio do barro,
que não conhece paz,
que luta por um pedaço de pão,
que morre por um sim ou por um não. (...)
(Trecho do poema que abre o livro)
Primo Levi foi capturado em 1944, levado para o Campo de Fossoli e logo depois partiu na temida viagem de trem, por dias, até chegar em Auschwitz. Lá foi logo recrutado para trabalhar ao invés de ir para a câmara de gás e assim começa sua luta pela vida e pela pequena parcela de dignidade que sobrou dentro dele.
"Cedo ou tarde, na vida, cada um de nós se dá conta de que a felicidade completa é irrealizável; poucos, porém, atentam para a reflexão oposta: que também é irrealizável a infelicidade completa."
A obra toda é lotada de reflexões impressionante. Primo Levi, com muita dor, chega a dizer, em determinado momento, que esse período foi perfeito para estudos e pesquisas, por que haviam ali pessoas de línguas e costumes diferentes em uma mesma situação degradante tendo que viver basicamente por instinto e sem recurso algum. Que cientista não adoraria algo desse tipo para estudar o comportamento humano?
É horrível pensar nisso. É triste e completamente errado. Nenhum ser vivo deveria passar por isso e é por essa razão que histórias como a dele devem ser contadas e recontadas e retratadas novamente em filmes, documentários e livros, até que o mundo todo entenda que coisas assim não podem acontecer novamente.
E que ninguém chegue a um ponto de desespero tão grande que passe a pensar dessa forma:
"Sorte que hoje não há vento. É estranho: de alguma maneira, sempre tem-se a impressão de ter sorte: de que alguma circunstância, ainda que insignificante, nos segure à beira do desespero, nos permita viver. Chove, mas não está ventando. Ou, chove e venta, mas a gente sabe que à noite nos toca o suplemento de sopa e então, hoje também, encontra-se a força para chegar à noite. Ou ainda: chove, venta, a fome é a de sempre; então a gente pensa que, se precisasse mesmo, se já não tivesse nada em seu coração a não ser sofrimento e tédio (como acontece, às vezes, quando parece mesmo que chegamos ao fundo) ... bem, ainda pensamos que, querendo, em qualquer momento podemos tocar a cerca eletrificada ou jogar-nos debaixo de um trem em manobras, e então pararia de chover."
O livro segue em um relato do dia a dia que conta desde a importância de uma colher para tomar a sopa até o calor humano do companheiro que eventualmente dividiria sua cama ao anoitecer.
O sistema todo foi criado para subjugar os judeus, humilhar mesmo e finalmente liquidar com ele, mas não antes de tirar proveito de tudo que pudesse, como trabalho escravo ou material para experiências (sim, estou falando sobre experiências dolorosas com seres humanos).
E quando um homem perde toda sua essência é isso que ele parece:
"Quando fala, quando olha, dá a impressão de estar interiormente oco, nada mais do que um invólucro, como certos despojos de insetos que encontramos na beira dos pântanos, ligados por um fio às pedras e balançados pelo vento. (...) Tudo já lhe é tão indiferente, que não tenta fugir ao trabalho e às pancadas, nem procurar comida. Executa todas as ordens que recebe; é provável que, quando for enviado à morte, ele vá com essa mesma absoluta indiferença."
Mas como dita no primeiro quote: "(...)também é irrealizável a infelicidade completa.", Primo Levi conta sobre prisioneiros que iluminavam quem estivesse por perto. É o caso de Lourenço:
"... em todo caso, creio que devo justamente a Lourenço o fato de estar vivo hoje. E não só por sua ajuda material, mas por ter-me ele lembrado constantemente (com a sua presença, com esse seu jeito tão simples e fácil de ser bom) que ainda existia um mundo justo, fora do nosso; algo, alguém ainda puro e íntegro, não corrupto nem selvagem, alheio ao ódio e ao medo;".
Essa resenha não faz jus a importância e profundidade dessa obra. Assim como todos que leram "É isto um homem?" dizem: esse livro deveria ser obrigatório em todas as escolas do mundo.
É um relato profundamente honesto e sem traço de ódio ou desejo de vingança. Primo Levi apenas retrata o quanto tudo aquilo foi errado e não pode, de forma alguma, se repetir. Apelos como esse devem ser passados para frente. A obra me atingiu com tamanha força que nem consegui lançar essa resenha logo que terminei a leitura. Ela está aqui, amadurecendo há um bom tempo, porque eu queria ser justa nas palavras a fim de convencer várias pessoas a encarar essa leitura também. Espero ter conseguido...
Ainda não tive coragem de ler esse livro, Camila. Sei que devo. Quem sabe, um dia? Beijos!
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