[Conto] Onde o mal se esconde #MêsDoHalloween

Que tal começar o mês mais legal do ano com um conto de arrepiar? 
Vem conferir essa história, escrita pelo meu amigo Rodrigo Shepard, especialmente para o blog!




Onde o mal se esconde

Ela estava sentada na poltrona de sua sala, as mãos, sobre a mesa de vidro redonda, folheavam a agenda negra de brochura velha. O ambiente estava tomado pelas trevas, a não ser pela luz de algumas velas envolta de uma bola de cristal no centro da mesa. Com as mãos tremendo ela achou a folha que procurava e bateu o dedo em cima de uma anotação, “Exorcismo, seis da tarde”.

Madame Rose, tossiu e fitou o velho relógio de madeira na parede que batia com o horário da anotação. Em silencio ela ajeitou os óculos de grau no rosto, acendeu um grosso charuto cubano e começou a fumar. Aos 85 anos ela era uma médium muito requisitada, os negócios iam bem, mesmo em tempos de crise, quando assunto era recuperar o amor perdido, ou mesmo quebrar a macumba de algum invejoso, as pessoas não ligavam muito para o preço, mas sim para o resultado. E mesmo em um mercado com tantos charlatões, Madame Rose realmente tinha um dom, desde pequena ela podia ver e falar com espíritos, fossem bons ou não... Ela também tinha visões do passado e futuro. De início seu objetivo era apenas ajudar aqueles que buscavam respostas no sobrenatural, mas conforme a idade foi chegando e as contas de uma vida miserável aumentado, ela decidiu empreender o dom. 

De repente alguém bateu na porta. Com a voz rouca ela mandou que entrasse. 

Pai e filho adentraram de mãos dadas. A criança, um garotinho gordo de cabelos loiros e rosto sardento, sentou–se na poltrona de frente para a mesa da médium, dali ele mal podia enxergar a velha. O pai, um homem magro de meia idade e rosto abatido, ficou ao lado da cadeira.

– O dinheiro! – Disse Madame Rose para o homem.

Tremendo ele colocou uma nota de cem sobre a mesa e empurrou para que a velha pegasse.

– Para quem é o exorcismo? – Indagou Madame Rose, fitando os dois com curiosidade.

– Para o meu filho, George, ele foi possuído pelo diabo – Explicou o pai coçando a cabeça.

– Conte-me mais – Disse a velha tragando o charuto e soltando a fumaça pelas narinas.

– Quando ele está por perto, coisas acontecem... Pessoas se machucam... Descobri que ele estava matando animais da vizinhança, achei corpos destruídos, estripados, queimados... – Ele fez uma pausa buscando coragem para continuar – Céus! Ele crucificou um cachorro vivo... E semana passada tentou sufocar a irmãzinha, um bebe de apenas seis meses... Nos ajude por favor! – Suplicou.

A velha esmagou os charuto no cinzeiro e observou o garoto com mais atenção. Ele mal havia saído das fraldas, a pele do rosto era lisa como porcelana e brilhava ante a luz das velas. Os cabelos loiros caiam na frente dos olhos verdes, as bochechas eram roliças, laranjas debaixo da pele. Analisando com frieza e curiosidade, a velha buscou enxergar o mal por traz daquele rostinho infantil sem expressão. Sem sucesso ela esticou os braços flácidos pela mesa, e pediu que o pai aproximasse a criança. O homem assentiu e ergueu o filho que se queixou gemendo. Madame Rose envolveu o rosto do garoto com suas mãos e fechou os olhos, usando de seu dom ela adentrou na mente dele, procurando o diabo que estava controlando seu corpo como uma marionete. 

Em meio a um oceano de lembranças, pesadelos, sonhos e desejos, que se projetavam a em flashes que explodiam a seu redor, ela viu os atos profanos relatados pelo pai da criança. Mas ela viu detalhes que o pai não pode ver. Madame Rose viu o “durante”, ao invés do “depois”, todo o sangue, toda a carne e sofrimento dos animais mortos pelo garoto, viu também que ele já havia tentado matar a irmãzinha antes, mas foi impedido pelo acaso. Ela também podia ouvir. E durante tantos crimes abissais executados pelo pequenino, um som era comum. Um riso doentio, estridente de mais pura e sincera diversão permeava as lembranças.

Caminhando mais fundo na mente do garoto, Madame Rose podia sentir que estava chegando a fonte do mal. Sim, o diabo parecia estar próximo e a cada passo ela se afundava mais e mais naquele oceano de pensamento. Para que pudesse começar o exorcismo, era preciso descobrir o nome do diabo, pois só assim ela poderia confronta-lo e manda-lo de volta as brasas infernais.

Quando ficou totalmente submersa naquele oceano onírico, ela encontrou uma porta. Fim da linha. Ali era o final da mente do garoto, e aquela porta era a entrada para a alma dele, atrás dela o diabo estaria esperando. Madame Rose respirou fundo, pegou a maçaneta gelada e abriu a porta. 

La estava o mal, e assim que ambos trocaram olhares a velha médium ficou sem palavras, de início ela demorou para conceber. Receosa ela perguntou o nome do ser ali presente. Ao ouvir a resposta, um grito de pavor morreu na garganta da velha. Era horrível demais, profano e perverso para que ela aceitasse. De repente sua vista ficou turva e tudo escureceu, quando abriu os olhos estava de volta ao mundo físico, ainda segurando o rosto do pequenino.

Risos.

Ela forçou a vista ainda embaçada e fitou a criança. Por trás dos cabelos loiros, seus olhos verdes brilhavam, na boca um sorrido doentio e febril se projetava, os lábios estavam repuxados, os dentes de cima, amarelos, mordiam a parte inferior dos lábios que sangrava. A criança não parecia sentir dor, mas sim prazer, pois ria enquanto apertava a mordia.

Madame Rose soltou o rosto da criança e recuou assustada. Pois sabia que nada poderia fazer, seu dom era inútil contra aquele adversário. Não havia diabo naquele garoto, o que havia ali, era o próprio garoto...


Escrito por Rodrigo Soares Rodrigues da Silva

Um comentário

  1. Parabéns, Rodrigo! Você conseguiu criar um clima de misticismo envolvente, mesmo num texto curto. Gostei demais. Hei, Camila, ótima escolha! Beijos!

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